Reviver o passado em St John’s… e em Caxinas

(Exposição de fotografia até fevereiro 2018, nas Caxinas, Av. Infante D. Henrique, 340)

Por estes dias, há pescadores de cara colada aos enormes acrílicos retro-iluminados que, na avenida marginal, na casa de um antigo bacalhoeiro de Caxinas, Isaac Fernandes Braga, os levam de volta a St John’s, na Terra Nova. Em poucos dias, a exposição St. John’s Porto de Abrigo – A Frota Branca de Paul Anna Soik, produzida pela Bind’ó Peixe – Associação Cultural para o Museu Marítimo de Ílhavo, em 2016, e patente até Fevereiro de 2018 em Vila do Conde, tem sido um sucesso. E para isso muito contribui a qualidade do acervo que ali se pode ver.

Abel Coentrão
jornalista e presidente da Bind’ó Peixe – Associação Cultural

Em 2014, o canadiano Jean Pierre Andrieux, autor de várias obras sobre a presença portuguesa na Terra Nova, partilhou com a Bind’ó Peixe uma colecção de meio milhar de diapositivos em médio formato, do final da década de 60 e dos primeiros anos da década seguinte, em excelente estado de conservação. Neles se guardavam imagens da frota branca no porto de St. John’s (cerca de 200) e das paisagens costeiras da ilha da Terra Nova, território que passara a ser canadiano em 1948, e que o norte-americano Paul Anna Soik, autor deste tesouro fotográfico, visitava, nos verões, na companhia da mulher, Mary Theresa Walsh, que ali nascera.

Como muitos artistas, pintores, fotógrafos, escritores ou jornalistas, Soik terá ficado fascinado com aquela visão de uma frota alba (ainda que enferrujada por meses no mar), pejada de homens com ar exótico: fosse no modo de vestir, fosse no facto de navegarem, em plena era dos arrastões, a bordo de elegantes e “anacrónicos” veleiros, nalguns casos. Homens que, naqueles verões, e aberta a época dos ciclones, ali procuravam abrigo, invadindo, aos milhares, aquela cidade portuária famosa pela sua Water Street, a mais antiga rua comercial da América do Norte.

Publicista, ilustrador de capas para as novelas baratas da Harlequin Romance, de Toronto, este norte-americano filho de pais bielorussos e natural de Newark, pintava nas horas vagas, e aquele cenário do cais de St. John’s ficou imortalizado nalguns dos seus quadros, um deles intitulado The Final Assembly, numa referência à última viagem do Gazela I com a frota portuguesa. Que o navio, sabia-o Soik, pelos vistos, como escreveu num envelope só com slides sobre o nosso gazelinha, iria, no ano seguinte, ser vendido à cidade de Filadélfia, que ainda hoje o preserva.

Uns salvam navios – e que falta nos fazem mais gestos destes – outros preservam memória imaterial.

É isso que fez Jean Pierre Andrieux, ao recolher esta colecção de diapositivos, no momento em que após a morte de Soik e da mulher, a família desta, de St John’s, não tinha outro destino para lhe dar.

E é isso que fazemos na Bind’ó Peixe – Associação Cultural, a quem ele emprestou aquele material num gesto de generosidade rara, no nosso primeiro encontro, em 2014.

Gratos que estamos a Jean Pierre, e ao Museu Marítimo de Ílhavo, por ter apostado na produção desta exposição, não podemos deixar de referir o patrocínio importante da Junta de Freguesia de Vila do Conde, que agora tornou possível esta itinerância da mostra até Caxinas, numa iniciativa nossa que contou com o apoio de várias entidades: entre elas, e não por acaso, acreditamos, a Mútua dos Pescadores, que mais uma vez está connosco neste projecto.

Ali, em frente ao mar que nos separa de São João da Terra Nova, antigos pescadores, as suas mulheres, filhos e netos, revivem até Fevereiro os dias felizes da chegada a terra, muitas vezes em fuga das tempestades. Eram dias de descanso, de alguma folia, contrastantes com a dureza do trabalho a bordo. Dias que este acervo que a Bind’ó Peixe digitalizou e tratou com um enorme esmero, mostram em toda a sua luminosidade.

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