Homenagem a Rui Namorado

O início deste Ano Internacional das Cooperativas acordou com consternação, com a notícia do falecimento de Rui Namorado, o professor da Faculdade de Economia, da Universidade de Coimbra, que dedicou a vida ao estudo, à promoção e valorização, da Economia Social.

Olhando a Economia Social como uma “galáxia”, e as suas várias famílias como “constelações”, com as cooperativas a ocupar um lugar de destaque, Rui Namorado foi um dos seus mais dedicados pensadores e defensores. Entendia a Economia Social como uma alternativa, de “ambição utópica”, ao modelo capitalista vigente, sustentada em valores e princípios éticos, de cooperação, autonomia, liberdade, e democracia.

O seu grande contributo à democracia, à economia social e ao movimento cooperativo em particular, bem como à formação de várias gerações de dirigentes das organizações da Economia Social, ficarão para sempre como modelo.

E a melhor homenagem que podemos dedicar-lhe é lê-lo, na sua complexidade, e continuar o seu legado, que por sua vez traz consigo outras referências fundamentais como António Sérgio.

O seu percurso pode ser conhecido aqui: https://cases.pt/falecimento-do-professor-rui-namorado/

“Há uma metáfora descritiva, a que há muito tenho vindo a recorrer, que pode ajudar a compreendê-la melhor. Ela conduz-nos a olhar para a economia social como se ela fosse uma galáxia constituída por múltiplas constelações, as quais, por sua vez, se desdobram em tipos diferenciados de entidades os quais incorporam protagonistas dotados de uma individualidade própria. E essas constelações conjugam-se dinamicamente, interagindo entre si, tal como no seio de cada uma delas acontece com as entidades que as compõem.
(…)
III. Uma outra ideia-força põe em relevo a intercooperação como elemento qualificante e indutor de uma maior coesão do todo. Na verdade, a intercooperação é um verdadeiro tecido conjuntivo simbólico, não só de toda a galáxia em causa, mas também de cada uma das suas constelações. É um elemento nuclear do respetivo modo de ser.
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V. Por último, há uma ideia-força, em íntima conexão com a anterior, que valoriza a autonomia de cada constelação sem ignorar a sua pertença à galáxia em causa. Pode aliás dizer-se que a autonomia de cada uma das partes é um elemento fulcral para a vida do conjunto.
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Insistindo na metáfora da galáxia, sublinhe-se que nas entidades do sector comunitário consagrado na Constituição Portuguesa prevalece a energia comunitária; nas associações é dominante a energia associativa; nas cooperativas prevalece a cooperação como energia dominante; na constelação solidária, a solidariedade; na constelação mutualista predomina a energia mutualista ou reciprocitária. Foi aliás a existência de áreas com diferentes predomínios dos vários tipos de energia que ajudou a vertebrar a autonomia das diversas constelações.
Estes focos de energia que dão vida à economia social são os princípios ativos que mais fortemente a influenciam, verdadeiros eixos que a estruturam e que impregnam como valores a sua dimensão ética.
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O valor da democracia consubstancia-se depois praticamente na consagração do controle democrático dos respetivos órgãos pelos seus membros. Estamos aqui perante um princípio estruturante que se afirma como valor irremovível. Tem naturalmente uma íntima sinergia com a liberdade e com a voluntariedade, perdendo também ressonância prática se conviver com o esmaecimento da autonomia.
Estatui-se depois a necessidade de uma conciliação entre os vários tipos de interesses em jogo. Por um lado, os interesses dos membros, dos utilizadores ou dos beneficiários, de acordo com o tipo de entidade que esteja em causa; do outro lado, o interesse geral.
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E assim são referidos: a solidariedade, a igualdade com destaque para a não discriminação, a coesão social, a justiça com a valorização da equidade, a transparência, a responsabilidade individual e social partilhada e a subsidiariedade.
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No caso da cooperação, fruto da energia cooperativa, para ela não ser tolhida e poder aspirar a um máximo de fecundidade, não pode deixar de ser livre e voluntária. Não suportará também, sem grave dano, quebras de autonomia; e, concomitantemente, qualquer pressão heterogestionária. E sem democracia, dificilmente este sistema de forças não se desregulará, correndo risco de dissipação.
Porém, se funcionar satisfatoriamente traduzirá com naturalidade o primado das pessoas.
No caso da solidariedade, materialização da energia solidária, além de poder ser em si própria encarada como um valor, é especialmente congruente com os valores da igualdade, da coesão social e da justiça. Ganha consistência pela fidelidade aos valores instrumentais da transparência, da partilha de responsabilidades individuais e sociais, bem como da subsidiariedade. Tudo isto favorece e robustece a prossecução de objetivos sociais.
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Globalmente, a imaginação do futuro da economia social incrusta-se na sua construção quotidiana, e projecta-se na necessidade de uma permanente retrospectiva dos trajectos seguidos por cada uma das várias constelações desde o início da respectiva existência, contribuindo para induzir o seu envolvimento crescente no processo histórico e para intensificar a sua ambição utópica.”

Referência: https://www.revista-es.info/uploads/1/1/8/1/118198432/namorado_16.pdf

Rui Namorado participou e colaborou com a Mútua em diversos momentos da sua história, e deu-lhe a conhecer de perto o Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social, que ele criou e coordenou, dando corpo à então pioneira “Pós-Graduação em Economia Social – cooperativismo, mutualismo e solidariedade”.

Pelas “suas mãos”, passaram, nos últimos anos, alguns jovens trabalhadores e dirigentes da Mútua, que certamente não esquecerão a forma apaixonada como falava destes temas, e das cooperativas em particular, que valorizava e enaltecia de um modo especial. Ouvi-lo era mais um motivo de orgulho por pertencermos a esta “galáxia”!

Fonte: https://estatuadesal.com/2025/01/16/ainda-a-minha-homenagem-ao-rui-namorado/comment-page-1/
Fonte: https://estatuadesal.com/2025/01/16/ainda-a-minha-homenagem-ao-rui-namorado/comment-page-1/